Perna de pau! Esse era o apelido que os amigos de escola davam a mim quando jogávamos futebol nos tempos de colégio. Eu nunca fui feliz com a bola no pé. Os amigos de turma sempre me escalavam por último nas partidas de futebol. Tínhamos uns 12 a 13 anos. Eu, sem fôlego nos pulmões, nerd de nascimento, esperava alguém olhar para mim – ter esperança ou piedade – e me escalar para jogar no time da turma.
Como eu ficava por último nas escalações do time, entrava em campo com a vantagem dos adversários cansados. Mas coisa difícil era a bola chegar aos meus pés. Eu corria a quadra, a escola, o mundo inteiro atrás dela. Quando finalmente alcançava a bola (oba, peguei a bola!), um magote de meninos lançava-se na direção da redonda para tirar de mim aquilo que eu mal havia tocado com os pés (ou teria sido com o coração!?). Terminadas as partidas da semana, eu voltava para casa sem ter feito um só gol no placar de pontos que circulava na escola.
Primeiro tempo: a jornada do herói
Vieram as férias do meio do ano. Diante de tanta humilhação e falta de presença de espírito, passei as férias frequentando os campinhos do bairro para aprender na marra a arte do futebol. Toda tarde lá estava eu me lançando às duras lições dos craques da bola. Eu chutava, xingava, caía, levantava, boladas e mais boladas... Joguei até pedra na Lua, mas nada digno de nota para esta crônica desportiva.
Terminada as férias, voltei iracundo para a escola. Foi então que vieram os Jogos Interclasses - o campeonato das salas de aula, a olimpíada dos alunos, a copa do mundo das turmas do colégio. Feliz, fui escalado na condição de zagueiro da minha turma (Chupa essa, Cristiano Ronaldo!), mas fiquei no banco de reservas do time (humildade é tudo nessa vida!). Rezei pra Deus: “Senhor, lembre-se desse teu servo que não serve pra nada!”. Os jogos seguiram: várias substituições e nada de mim. Já na final do Interclasses, o diabo do nosso goleiro se machucou numa defesa espetacular e botaram a mim (Deus, agora não, agora não!), botaram a mim para substituir o melhor goleiro do Interclasses nos 5 últimos minutos do segundo tempo.
Haja coraçao e fígado e pernas e intestinos..
O jogo corria 0 x 0. Aí veio o pênalti duvidoso contra minha turma, contra mim. O apelido do garoto que ia bater o pênalti era incrível Hulk: tinha uma bomba no pé, seu chute entortava a bola, deixando a redonda oval com tanta força empregada naquele coice animal; do outro lado do pênalti estava eu, o incrível miserável, magro até o ossos, o reserva do reserva com a missão impossível de defender a bomba atômica do Hulk. Sentia-me diante de um pelotão de fuzilamento. Era o incrível Hulk, o time dele, a escola dele que bateriam um pênalti contra mim...
Silêncio mortal. O juiz sem juízo apita para Hulk matar Bruce Banner. O menino dá um chutão. A bola dispara a mil quilômetros por segundo. E eu tenho que decidir: “se eu defender a bola, serei louvado pelos colegas, querido pelas garotas, o novo herói da escola, o superdescolado do momento; porém, se eu falhar, serei excluído da existência colegial, menosprezado pelas garotas e xingado pelo tempo que existir a escola”. Tudo isso cogitei buscando a aprovação dos outros. No que eu parei para pensar, deixei de agir e… Gooool!
A vitória do Hulk passou por minhas mãos, bateu na trave e entrou no gol. Por conta disso, ganhei dos meus queridos colegas o irônico apelido de mão de ferro, como se não bastassem minha perna de pau. No ano seguinte não participei do Interclasses da escola (mais crescido, vi que não tinha que provar nada a ninguém, senão a mim mesmo). Vi também que meu talento não estava nos pés, mas nestas mãos que serviram naquele ano para torcer pelo futebol da minha turma e hoje servem para contar histórias de superação como essa.
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